Afinal as licenciaturas pré-Bolonha vão ou não vão ser equiparadas a mestrados?…

Estava a tentar responder a este artigo no ZAP de 2018, sem sucesso, por isso cá vai a minha resposta via o meu blog…


Pois olhem, eu por causa destas confusões todas, lá em 2007 resolvi mas é mesmo tirar o Mestrado (a minha anterior «tentativa» tinha sido em 1992, mas acabei por desistir), que me foi atribuído em 2009, pois já temia que mais cedo ou mais tarde isto «iria dar confusão».

Uns anos depois e conheci muitos colegas meus que apenas entregaram a dissertação/tese e pronto, receberam logo o Grau de Mestre. Nalguns casos nem prova oral fizeram, noutros sim, dependendo da situação.

Longe de mim dizer o que é melhor ou pior, se «o antigo é que era bom!» ou se «os cinco/seis anos pré-Bolonha eram arcaicos e totalmente desactualizados» etc. etc. É daquelas coisas que só mesmo um estudo sério, feito por amostragem aleatória (e anónima), poderá tentar comprovar; de certeza que andam por aí muitos estudos desses, eu é que não sigo a área científica das Ciências da Educação, pelo que não sei a que conclusões chegaram.

Sei, sim, que por volta de 2007, quando os alunos começaram a sair dos cursos de Mestrado Integrado feitos apenas em cinco anos, eu estava tecnicamente em desvantagem no mercado laboral, por ser «apenas licenciado». E como nunca se sabe as voltas que a vida dá, lá fiz um esforço adicional e fiz mesmo um mestrado «como deve de ser» (não integrado, mas sim independente e isolado enquanto curso), já plenamente de acordo com todas as regras de Bolonha e devidamente validado etc. Saiu-me do couro 🙂 (e da carteira!) mas não me arrependi, sou fã da formação contínua ao longo de toda a vida, quer receba diplomas ou não, quer seja mais formal ou totalmente informal.

Mas se o objectivo era garantir que não seria «discriminado» por ter «uma licenciatura das antigas» (nota: já na altura tinha sistemas de créditos etc. na preparação para a actualização de Bolonha; mas como esta ainda não estava legalmente em vigor, tais regras só tinham validade a título interno da minha universidade, claro, embora a minha Ordem profissional, já na altura, estipulasse uma série de regras…)

Conclusão… mal ou bem, pronto, tenho 5 anos de licenciatura pré-Bolonha, com o grau de credibilidade que lhe queiram conferir; e tenho 2 anos de mestrado pós-Bolonha, com todas as certificações possíveis; assim, do meu ponto de vista, podem mudar a legislação toda à vontade, para a frente ou para trás, conforme preferirem, que por mim está tudo bem.

Na altura fiquei um pouco aborrecido por haver gente a substituir/actualizar o «Lic.» por «Mestre» apenas com um carimbo e uma rubrica autenticada, mas tudo bem. Se o conseguiram fazer de forma legal e reconhecida a nivel europeu, fico feliz por eles. Agora concordo totalmente com o @Sem…ah! — mesmo considerando que o meu curso tinha muito pouca palha (tinha é excesso de matemática, mas isso agora é outra conversa…), o que é sempre discutível, a tal componente académica-científica que é exigida mesmo para os mestrados mais simples não existia, e considero-a também essencial (tal como o @Sem…ah! expôs tão bem). No meu caso particular, por acaso — e sim, foi por acaso — tinha optado por um projecto de fim de curso num laboratório de investigação científica que teve realmente o rigor que hoje em dia se exigem aos «mestrados integrados» (até com a obrigatoriedade de publicação de artigo científico de acordo com as normas). Mas isso foi puramente opcional. Talvez ⅔ dos meus colegas não foram por essa via, praticamente nem puseram os pés na universidade no último semestre, e depois entregaram um conjunto de páginas manuscritas com uns comentários quaisquer, que hoje em dia não seriam aceites nem no 1º ano. Não foram todos, claro, mas foram muitos. Eu também não posso dizer que o «meu» trabalho de fim de curso tenha sido uma obra-prima da literatura científica, abordando uma área completamente nova do conhecimento, pela qual mereço um Prémio Nobel (ou dois). Não, nada disso; não era nada de especial, mas estava ao nível do que, quase 15 anos mais tarde, tive de desenvolver para o mestrado. Pronto, haviam mais exigências — não bastava «entregar a tese» por assim dizer. Era preciso também publicar um artigo científico numa revista da especialidade de renome, e depois, evidentemente, defender a tese perante um juri de especialistas na área. E naturalmente estava-se à espera de que o candidato a mestrado apresentasse uma extensa lista de citações de documentação lida e estudada sobre a qual iria ser interrogado pelo juri. Não faço a menor ideia de como se realizam, hoje em dia, as provas de mestrado integrado, na maioria dos casos; mas já fui juri numa dessas provas (anos mais tarde) e achei que os níveis de exigência eram substancialmente menos elevados. Mas pode ter sido uma coincidência, claro.

Os meus colegas que acabaram o curso às três pancadas (nem interessa a nota que tiveram; basta que tenham «completado com aprovação» a licenciatura, ninguém contrata as pessoas pelas notas que tiveram) e que depois assinaram de cruz o papelinho para passarem a ser mestres nunca passaram por esta experiência. Não fazem a menor ideia — nem têm o menor interesse! — em saber o que é o método científico, onde se pesquisa informação científica, ou mesmo como se faz correctamente uma citação em formato APA. Dirão que, para desempenhar o seu cargo (geralmente de direcção), nada disso é fundamental. E pode ser que seja verdade. No entanto, gostaria de apontar o dedo a fenómenos como a desinformação rampante nas redes sociais, e a ascenção do fascismo (mesmo em países onde o fascismo é constitucionalmente proibido, como é o nosso…). Isto nada tem a ver com a inteligência ou a educação das pessoas. Tem, isso sim, com a ausência de capacidade de pensamento crítico — um papel que, supostamente, deveria caber ao liceu. Mas depois foi empurrado para os mestrados e doutoramentos e pós-doutoramentos… o resultado já se está a ver no que dá!

Parece que já ninguém sabe argumentar de forma racional e lógica. Aposta-se, em vez disso, na «opinião» — especialmente a opinião puramente emocional, sem quaisquer bases racionais. E isso, a meu ver, é o resultado de uma total ausência de pensamento crítico — porque este nunca foi exigido…

Nota: não estou, evidentemente, a limitar-me ao caso português; o problema é à escala mundial. E também não se pode dizer que «só os cursos científicos é que precisam de conhecer os aspectos do método científico». Sim, mas há outras áreas que têm métodos equivalentes para a aquisição de conhecimentos, que requerem as mesmas capacidades de raciocínio lógico e pensamento crítico: por exemplo, o sistema jurídico segue-se por outras regras, para as quais o método científico não é aplicável. Mas isso não quer dizer, de todo, que as profissões jurídicas abdiquem do pensamento crítico. Longe disso — têm, isso sim, os seus métodos, as suas regras, a sua própria forma de as aplicar (e as formas de rejeitar a sua aplicação), que não são «menos válidas» (de todo!) para estabelecer a verdade dos factos. São apenas diferentes, porque o seu âmbito é outro, que requer coisas que o método científico não pode obter (e, em certa medida, ainda bem).

Não interessa. O que interessa, sim, é que precisamos — não só nós, portugueses, mas todos nós — de mais e melhor pensamento crítico, a capacidade de saber questionar (mas também de saber defender opiniões!), a capacidade de saber distinguir a informação da desinformação, e assim por diante. O liceu, esse, infelizmente já abdicou dessa responsabilidade. Resta-nos, pois, garantir que pelo menos o ensino superior dê um bocadinho de pensamento crítico. É menos relevante se se estudam apenas 3 anos, ou 5, ou 7 (como no meu caso) para ter um prefixo qualquer no nome. Isso não interessa. Até podiam ser 3 meses, desde que o resultado fosse avaliável (também de forma crítica, usando argumentos racionais e lógicos, claro está!), e tanto os professores como os alunos fossem génios (o que pode acontecer, mas serão excepções à regra…).

Seja como for…

Agora é ver se acabo o doutoramento, que está em «banho-maria» há mais — muito mais! — de uma década 🙂 É que, sabe-se lá, um dia destes vem aí o “Bolonha 2” que fará com que todos os actuais «cursos velhos» se tornem obsoletos, e que os alunos, em dois anos de estudos super-intensos, saiam logo com o doutoramento nas mãos. É possível! Pode acontecer! E se for o caso, quero estar à altura deles…

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